Uma noite destas sonhei que um amigo meu me tinha desiludido violentamente. Senti-me frustrada, triste e traída. Mas acima de tudo, senti-me culpada.
Depois de alguns anos a cultivar essa amizade, cheguei à conclusão que ainda não era perfeita. Nem eu, nem a amizade.
É como se dentro daquela pessoa que eu nem conhecia de repente eu tivesse começado a retirar pedaços dela para vir a encontrar no seu interior a forma de um amigo. É como esculpir um ser à nossa medida. Enquanto não se retira o excesso, não se consegue encontrar o que de melhor está naquele miolo.
E eu senti que aquele amigo não tinha sido bem esculpido ainda. Precisava de muito mais trabalho. Não é meu hábito desistir das pessoas. Posso desistir de algumas coisas. Nunca das pessoas.
É só ir esculpindo um pouco mais, ir mais fundo que acabarei por encontrar o amigo perfeito.
Não esqueço, é óbvio, as formas rudes que tinha antes de começar a trabalhar nele. Isso faz parte da construção da nossa amizade. Mas isso tem o seu lugar, bem arrumadinho numa gaveta da biblioteca da minha memória.
Quando finalmente terminar, o resultado será uma pessoa que deixou de ser apenas de si próprio. Será também um pouco minha. Tal como "O desterrado" é de Soares dos Reis, aquela pessoa passou a ser também minha. Os laços que nos ligam serão sólidos e para sempre indestrutíveis.
Não há maior perfeição do que essa. Não é necessária mais perfeição. Um amigo esculpido por ti, com o teu suor e a tua dedicação, por vezes com tanto sacrifício, cedências e frustrações, será a tua obra-prima. Aquilo que aqui mais se assemelha a um anjo: o teu melhor amigo.
Sejamos escultores. Sem pressas. Pacientes. Perfeitos na nossa limitação e felizes apesar de tudo.
Afinal "cativar" é apenas o início...